✨ A cartinha de hoje estava engavetada há meses, e brigou com as outras 2 possibilidades que fiz pra edição desse mês. O respiro das férias me mostraram uns outros ângulos, mas sem você, que se sabe, Clara e Fernanda me deixariam na gaveta por mais um tempo. Coisa linda de viver. ✨
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13 de maio
chegou esse dia. e é sexta-feira treze ainda por cima. que delícia! vou topar a Fernanda em um encontro. um EN-CON-TRO. ai deus. ok. calma, Clara. vai dar tudo certo, ou não hahahaha mas né, vamo torcer que vai dar certo. “dar certo”, o que é “dar certo”? você não acredita na ideia romântica da coisa e nem que tempo é medida de qualidade de um relacionamento. você começou esse diário matinal pra tentar desatar os nós dessa cabecinha emaranhada: “dar certo” com Fernanda, vamo de lista:
não ter um piripaque antes de sair de casa
me sentir confortável
a conversa fluir gostosinha
não beber a ansiedade em doses alcoólicas desmedidas: estar consciente
não ser atriz de mim
é isso? acho que é isso. talvez seja isso. ainda são 6h42 da manhã e tem um longuíssimo dia pra viver antes de encontrar Fernanda, então segura essa marimba, foca na lista de coisas pra fazer hoje e bora. uma coisa de cada vez. cada coisa no seu lugar.
– Gostei muito dos seus quadros, real! Acho que me apaixonei primeiro pela sua arte, sabia? E depois pelo nosso papo. Sem contar que você é um mulherão né, Clara. Ah não! Ficou toda vermelha, que fofa!
– Aaai, valeu! Fico meio acanhada mesmo, rola uma dificuldade de lidar com elogios, mas tô aprendendo! Tem sido bem bom, né?! Nas primeiras conversas eu já tava bem caidinha por você também, Fernanda. Acho muito bonito essa conexão que a gente criou. Nem parece que já tem meses que eu tô te enrolando pra gente se encontrar!
O primeiro beijo teve gosto de hortelã, limão e rum. Assim como o terceiro, o quinto, o oitavo. Clara seguia impactada com aquele universo que finalmente teve coragem de vivenciar. Depois de 6 meses de contato virtual com aquela que ela sempre via de longe nos rolês do mundo pré-pandemia, mas que não sabia muito bem como chegar, puxar papo. Até aquele zap iluminar o dia gerando um siricutico de emoção.
“Oi Clara! Tudo certo por aí? Aqui quem fala é a Fernanda, a Nina que me passou seu contato. Um amigo tá abrindo um café novo e tá procurando uma artista pra pintar um mural. Lembrei que a Nina tinha uma amiga que pintava uns quadros enormes e incríveis. Procurei seu insta mas não achei. Como faz pra pegar um orçamento contigo? Ah! Meus amigos me chamam de Fer mas se chamar de Nanda eu não me importo :)”
Clara levou uma semana pra conseguir responder.
Fernanda. Preferia saborear o nome todo, com o músculo rosa subindo no oco da boca devagar enquanto o encontro dos dentes com os lábios produziam o sopro do padê burrê que a língua executava do lado de dentro. Fer-nan-da. Nome gostoso de falar.
– E aí, tá lendo algum livro por esses dias?
– Tô! Aquele Neuroses a Varejo, da Aline Valek, sabe?!
– Seeeeii! É massa demais!
– Então! Li o conto O que sonham as pílulas ontem, fiquei pensando tanto na coisa da pílula do sonho que acabei sonhando com isso, acredita?!
– AAAA! Eu amei esse conto! Ao mesmo tempo que é bem lindo o final, conectei com tantas coisas dentro daquilo que a gente tava conversando esses dias… dos sonhos que sonham pra gente. Mas enfim, me conta do seu sonho!
– Ah, de boa! Acho que entendo o que você tá dizendo, rolam uns desconfortos ali no começo pra você também? Aquele desconforto de identificação.
– Muito!
– Mas no meu sonho colocavam livros em cápsulas pra que a pessoa pudesse viver a experiência como se fosse a narradora ou uma personagem. Só que sem ser dentro de um sonho, entende? Tipo uma alucinação, mas não era exatamente isso.
– Nossa, Clara, eu super toparia essa experiência. Mas uma cápsula? Tipo um comprimido?
– Então, sonho né HAHAHAHA só sei que era uma cápsula tipo amoxilina, sabe? Daquelas que são duas partes meio molengas que se encaixam e a substância fica lá dentro. Só que no sonho não ficou claro como era a ingestão, ou eu só não lembro mesmo. Aí acordei pensando como que seria possível fazer alguém viver internamente uma história inteira, um poema, uma crônica, um romance… mas em um tempo curto, como se fosse uma alucinação, como se você realmente estivesse vivendo a história. Em que lugar do cérebro e de que forma seria possível afetar alguém desse jeito?!
– Hnmm, tá aí! Complicado.
– Meu pensamento chegou só até aí, Fernanda. Mas segue rolando aqui dentro.
– Clara, e se fosse um cheiro? Ou uma combinação de cheiros.
– Olhaaa, será que não é isso?
– Por que tem aquele lance do sistema límbico, né?!
– Sim!! Tava lendo um artigo esses dias sobre o assunto! Um artigo? Ou foi uma newsletter? Calma.. Ahh! Foi na newsletter da Paula Maria! Conhece? As sensações geradas por cheiros passam primeiro pelo sistema límbico e são registradas de forma diferente, afeta o corpo e a psique ao mesmo tempo, era algo assim.
– Essa news eu não conheço, mas já me interessei! Me manda o link depois! Mas assim, Clara, cortando o papo, que eu quero continuar, cada uma tomou o quê… 3 mojitos? Acho que tá bom já, né?! Tô começando a me sentir meio altinha. O que cê acha de dar uma volta no parque aqui do lado? Ainda tá cedo, se animar a gente chega lá em casa depois, faço um lanche pra gente. Fiz pão de abóbora hoje, cê curte? Mas se não tiver a fim, de boa também, cê conhece meu cantinho e os gatos num outro dia.
– Uai, bora! Vamo só pagar a comanda e a gente continua o papo. E você ofereceu lanche pra uma taurina, vou recusar não! Ainda mais depois de ficar babando nas fotos dos seus pães vou ter a oportunidade de experimentar! Quê isso, só o ôro! A gente só precisa esclarecer um ponto muito importante antes: eu vou poder enfiar a cara na barriguinha gorda dos seus gatos ou eles vão me destruir com as garras? Por que cê já sabe que eu sou bem Felícia né?!
O riso de Fernanda, a cabeça conduzindo o corpo pra trás em um movimento de tentar se afastar da graça que transbordava. O sorriso solto, grande, aberto. E os alto-falantes do bar tocando Traduzir-se, versão do poema do Ferreira Gullar musicada pelo Fagner com o Chico. Clara poderia facilmente morar naquele sorriso, naquele momento.
Uma parte de mim é permanente. Outra parte se sabe de repente. Uma parte de mim é só vertigem. Outra parte linguaaaaaaageeeeem.
Cantaram juntas em uníssono enquanto esperavam o moço dividir o valor da comanda.
22 de maio
não tô sabendo lidar, ó! tão querido e monstruoso diário não alimentado diariamente. tem essas palavras que ficam brotando na minha cabeça, anotei um pouco no celular nos momentos que fiquei “só” na casa dela. enquanto ela tomava banho e quando cochilou no meu colo. e depois no ônibus e na fila da padaria, e enquanto terminava a última tela e depois lavando vasilhas e antes de dormir e no sonho e tomando café. AI, que coisa mais boa. e o tempo inteiro a cabeça voltando pra ela e pra essas palavras que se transformam em imagens e voltam a ser palavras e geram essas coisas todas no meu corpo. preciso registrar aqui, esse foi nosso combinado quando esse caderno chegou nas minhas mãos.
é um poema isso? uma tradução? ô seu Gullar, como que faz pra traduzir essas partes? são tantas partes e nada é binário! e agora fico sentindo que os pedacinhos tão se juntando e eu não sei lidar! então vou escrever né?!
aquela pergunta que fico tentando vivenciar segue aqui pulsando e o senhor segue em silêncio não me respondendo. você nasceu dessa pergunta que todos os dias eu falho em responder. talvez a tradução esteja na busca, ou no espanto lindo das experiências. depois de tanto tempo dessa coisa aqui, dessa tentativa de diálogo com as vozes que moram na minha cabeça, e que a dona psicóloga jogou como quem não quer nada de que poderia ser uma ferramenta pro nosso processo, nosso não, MEU, não cheguei a uma conclusão. talvez eu não encontre uma. talvez a conclusão seja a de que não tem uma, e que a cada olhar que eu permito lançar pra dentro e depois jogar pra fora, encontro uma fagulha de tradução ou de sentido. eu hein, essa enrolação toda pra explicar pro meu diário que tô apaixonada e que anotei um negocinho sobre a pessoa que tá morando em um dos quartos dessa grande casa que é meu coração.
quero contar pra todo mundo sobre você
e sobre como você me faz sentir
assim
tão solta e segura na minha pele
e em seus poros abertos
pra mimquero contar o quanto seu cheiro me transformou
seu gosto
seu toque
contar do quanto me conheci enquanto te observava
vendo minha nova série preferidaseu sorriso solto e despreocupado
entregue
seu olhar atento e interessado
imersa
seu jeito de estar presentesinto ainda sua arcada dentária
mordiscando a pele entre minhas coxas
e suas mãos
guiando meus movimentos
elétrica
toda aliquero contar da constelação de pintas marrons
que sigo descobrindo com meus lábios
e os labirintos de seus cachos
entrelaçados em meus dedosvocê caminha devagar
com calma
sentindo o chão sobre seus pés
segura
enquanto eu tentava chegar rápido
ao destino que nem pressa precisava tera paixão já existia
mas a tradução
chegou ao perceber seu jeito de andar
“Se não houver o espanto, não há poesia”
Esse trechinho de uma entrevista com o Ferreira Gullar <3 só dá o play.
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O Texto & o Tempo
Amo demais o mundinho newsletteiro br, e em novembro tem esse evento organizado pela Vanessa Guedes (da newsletter Segredos em Órbita) e com a presença de algumas das pessoas escrevedeiras que viraram grandes amigas platônicas. Se você gosta, escreve ou quer começar a publicar newsletters, os dias 5 e 6 de novembro podem trazer umas fagulhas de sentido aí pra você, ou ainda mais perguntas! Só vivendo pra ver. As vagas são limitadas e até a data de envio dessa cartinha, ainda dá pra você garantir a sua. VEM GENTE!
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Afeto e Diferença
A news da Rafa tá fresquinha, fresquinha e ela já chegou com essas palavras belíssimas que encheram meu coração de afeto e marejou meus olhos. Já se inscreve que essa cartinha promete, viu.
No semáforo, sinal fechado, alguém, no carro ao lado, escuta um som que te anima de súbito. Na praia, alguém, com sorriso no rosto, aceitou cuidar das tuas coisas, pra que você pudesse mergulhar. Mergulhar. Bons encontros acontecem a todo tempo. Afetos inaugurais. Co-criações de subjetividades.
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How to with John Wilson
Faço esquema de pirâmide de John Wilson, só não ganho dinheiro com isso. Já perdi a conta de quantas vezes vi o episódio sobre andaimes e o sobre risoto. E ainda assim não sei bem como descrever a série quando indico pra alguém. Um ensaio visual? Um diário? Uma série de humor? Um documentário sobre Nova York? É um pouco disso tudo mas não só e eu acho genial. Assiste lá e me ajuda com a descrição depois. Disponível na HBO.
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Andanças #12 Chungking Express
A lindeza e delicadeza desse texto da Luisa Manske, que descobri via recomendação da Bárbara Bom Angelo, maga das palavras e da curadoria de links! Esse filme é um grande preferido e esse texto me fez sair pra dar uma volta no quarteirão da firma pra deixar umas lagriminhas de identificação transbordarem soltas com os pés em movimento.
De certa forma, essas pequenas obsessões são também uma maneira de dar forma aos sentimentos que não conseguimos nomear. Não sabemos muito bem o que é, mas sabemos que é por ali - que algo naquela obsessão vai nos trazer alguma resposta ou um acalento.
Por quais obsessões seguimos na tentativa de encontrar esse nome?
Outubro é o novo agosto desse ano ein. A gente sabe que vai dar TREZE, a gente tem que abraçar bem juntinho do peito essa esperança e não desanimar, FALTA POUCO e vai dar bom demais! Simbora meu povo! Independente da dificuldade em ainda ter forças pra segurar esses últimos dias, confirme o 13 nas urnas dia 30! É o mínimo que a gente ainda consegue ter controle a nível de ação. Só vamo ❤️️
As imagens dessa cartinha foram geradas a partir do exercício #3 da Toranja. Me apropriei da técnica do Steven Ketchum em que ele constrói imagens a partir de formas abstratas, mirei principalmente nos trabalhos ali por volta de 2013 dele. Combinei com essa primeira, a técnica que o Marcos Felipe chama de “Visual Jazz” e explica nesse episódio delicioso de Bobagens Imperdíveis. Gostei demais do processo e do que virou. Usei guache e lápis grafite 7B.
Agradeço por ter lido até aqui, abracinho dessa escrevedeira 💗💜💙 apaixonada e esperançosa, jázin a gente se encontra de novo e comemora que Lula é nosso presidente eleito. Até logo! ⭐
Que delícia de ler palavras apaixonadas!
Nossa, eu me identifiquei demais com o texto, vou salvar nos favoritos e reler... deu nostalgia de um romancinho <3
E muito obrigada pela citação, fiquei eufórica!